quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Guia Mundial de Handebol Masculino 2015: Catar [Parte I]

Entre os dias 15 de Janeiro e 1º de Fevereiro acontecerá o Mundial de Handebol Masculino, no Catar. O evento ocorre a cada dois anos, e pela primeira vez chega à Ásia. Aqui você confere os grupos, o regulamento, os times, as estrelas e as projeções pra cada equipe.

Regulamento

O modelo do Mundial é um pouco diferente do que estamos acostumados. A primeira fase conta com 4 grupos (A, B, C e D) de 6 times cada. Após a fase de grupos, o campeonato desmembra-se em dois: President’s Cup e Playoffs simples.

President’s Cup

Na President’s Cup, jogam os últimos dois colocados de cada grupo. No primeiro dia, 5º contra 5º e 6º contra 6º, sendo os confrontos entre times dos grupos A contra B, C contra D. No dia seguinte, os quatro vencedores disputam as posições de 17 a 20 no torneio, e os perdedores 21 a 24.

Playoffs

Os playoffs são como de costume: das oitavas à final. As partidas das oitavas são entre 1º colocado do A/C e 4º colocado do B/D, e 2º e 3º da mesma maneira. Os que caírem nesta fase se classificam entre as posições 9 e 16 por ordem de campanha. Quartas e Semi com o modelo padrão. Após as semifinais, ocorrem os jogos que decidem as posições de 5 a 8. Antes da final, disputa de terceiro lugar. Todas as fases são em jogo único.


Os Grupos

Grupo A

Espanha – Uma das favoritas ao título, foi a campeã da última edição e teve o 3º lugar no Mundial de 2011 em sua casa. A equipe conta com os craques Julen Aguinagalde, Joan Canellas, Arpad Sterbik, Víctor Tomás e Raúl Entrerríos. Julen foi eleito melhor pivô de 2014, jogando pelo Vive Kielce (Áustria), e Cañellas, jogador do Kiel (ALE), o quarto melhor central. Tomás o segundo melhor ponta-esquerda do mundo, Sterbik* o terceiro melhor goleiro e Entrerríos o melhor central da ASOBAL (Liga espanhola) em 2010 e 2011 jogam no Barcelona. A seleção hispânica chega com uma equipe titular bastante coesa e com boas trocas para jogadas defensivas. Viran Morros é o segundo melhor defensor do mundo, seguido por Gedeon Guardiola. Ambos também jogam pelo time catalão. Semifinal é o mínimo esperado por essa potência. Minha primeira finalista, Top 2.
*Sterbik não se recuperou a tempo de uma lesão e está fora do Mundial.

Eslovênia – Surpresa do Mundial de 2013 com o 4º lugar, a Eslovênia chega em 2015 para mostrar que deixou de ser promessa pra ser uma grande seleção de handebol. Com uma boa mescla de juventude e experiência, a seleção tenta fazer barulho pelas mãos da revelação de 2013 Jure Dolenec (Montpellier - FRA), do ponta-direita Dragan Gajic, o Gajo (Montpellier), e do segundo jogador mais velho do time, Luka Žvižej (RK Celje - ESL). Os eslovenos miram a semifinal, mas seria uma surpresa se acontecesse. Brigam pelo Top 8 e devem ficar no Top 16.

Catar – Com apenas quatro participações e nenhum resultado expressivo, o Catar chega para dar festa à sua torcida. Como não podem contratar jogadores para seleções nacionais, a anfitriã contratou o que dava: o técnico que levou a Espanha ao título Mundial de 2013. Valero Rivera terá peças interessantes para trabalhar, como o goleiro Saric do Barcelona e o armador Hamad Madadi, do time local Leckwiya. Sem muitas esperanças, os catarianos apostam na qualidade do técnico para conseguir uma ou duas vitórias. Brigam pelo Top 20.

Bielorrússia – Apenas duas participações em Mundiais, mas uma classificação para 2015 sobre a forte Montenegro nas eliminatórias. O quarto melhor meia esquerda do mundo e um líder goleador. Em 2015, a Bielorrússia tenta mostrar a força que prometeu nas eliminatórias. Siarhei Rutenka (Barcelona) e Ivan Brouka (SKA Minsk – BLR) são os principais nomes do time. Com experiência e potência, esses dois contam com o central Barys Pukhouski que arma e ataca muito bem. Porém, vimos muito pouco dos bielorrussos para cravar um Top 8. Não são fáceis, mas devem ficar com o Top 16.

Brasil – No último Mundial ficamos com a inédita 13ª posição. Nos últimos anos, tivemos várias transferências de jogadores para o exterior – principalmente para a Espanha. Com um dos times mais jovens no campeonato, o Brasil mira as quartas de final, um caminho bastante possível. Qualidade não será problema. O técnico espanhol Jordi Ribera conta com o inteligente Diogo Hubner (Taubaté) como central, que divide a tarefa com seu companheiro de equipe, Teixeira; a ponta esquerda é bem guardada pela estrela Felipe Borges (Montpellier); Chiuffa leva sua eficiência para a ponta oposta; as revelações Arthur Patrianova (Villa de Aranda – ESP) e Valadão (Granollers – ESP) jogam pela meia esquerda, dividindo a tarefa com a experiência de Japa (Taubaté); Zé (Granollers), 21 anos, e Zeba (Pinheiros) jogam pela meia direita; as referências no pivô são Tchê (Guadalajara – ESP) e Vini (Pinheiros); nosso gol tem um desfalque enorme, Maik, que será substituído por Bombom (Guadalajara) e Rick Miles (Taubaté). A juventude tenta fazer a diferença em 2015, guiada pela experiência de outros craques. Com muito jogo de transição, temos que encaixar o contra-ataque, acelerar o jogo e manter a calma. Com eficiência, temos a obrigação de fazer o 3º lugar no grupo, mas mirando o 2º. Nas oitavas, enfrentaremos Áustria, Tunísia ou Macedônia, confrontos difíceis, mas possíveis. Brigamos por Top 16, buscando ficar entre 9º e 12º.

Chile – O time mais fraco do grupo e talvez do campeonato. O melhor jogador chileno é o pivô Marco Oneto (Minder – ALE), seguido do ponta esquerda Salinas (Bucareste – ROM). Como os dois melhores jogadores da equipe não são armadores, veremos um show de contra-ataques dos times adversários. Brigam para fugir da lanterna. Top 23.


Grupo B

Croácia – Um ouro, três pratas, um bronze. A Croácia é de longe o melhor time do Grupo B, cotada para as semifinais. Os croatas confiam no melhor jogador do mundo de 2013, Domagoj Duvnjak (Hamburg – ALE), para orquestrar a seleção de craques como Igor Vori (PSG – FRA) e Manuel Strlek (Kielce – POL). A defesa já foi um ponto forte da Croácia, mas vem apresentando dificuldades que serão testadas a partir das quartas de final. Miram o sonhado título, devem disputar Top 4.

Bósnia-Herzegovina – É a primeira viagem dos bósnios, mas querem voar alto. Estreante no Mundial, a Bósnia se classificou com uma vitória apertada sobre a forte Islândia. Armados pelo central Ivan Karacic (Meshkov – BLR), os bósnios tentam surpreender e conseguir a classificação para as oitavas. Nikola Prce é um bom meia esquerda para a companhia de Karacic. Entretanto, pela inexperiência internacional e falta de elenco, a Bósnia deve lutar pelo Top 20.

Macedônia – Não estamos acostumados a ver a Macedônia nos principais esportes internacionais. Mas no handebol ela começou a aparecer de fininho, querendo dar passos mais largos. Kiril Lazarov foi eleito melhor meia direita do mundo, defendendo o Barcelona. Seu principal companheiro é Renato Vugrinec (Metalurg), de incríveis 39 anos. Focar o jogo em poucos nomes é um grande risco, mas pode ser o acerto da terceira equipe dos Bálcãs no Grupo B. Projeção de Top 16.

Áustria – Sem muitas participações em Mundiais, a Áustria chega com dificuldades em 2015. Muito dependente da estrela Viktor Szilagyi (Bergischer – ALE), tentará o quarto lugar do Grupo B, que será possível se vencer o Irã e um concorrente como Bósnia, Tunísia ou Macedônia, missão bastante complicada. Brigam pelas oitavas, mas devem fazer o Top 20.

Irã – Aquele time que dará saldo de gols aos concorrentes do grupo. Sem tradição e sem grandes promessas, o time asiático não leva grandes nomes (Iman Jamali se lesionou) e tenta sair com uma vitória apostando nos mais jovens. Aposta para lanterna do torneio. Top 24.

Tunísia – Um dos melhores times de handebol não europeus, a Tunísia briga forte pelo segundo lugar no grupo. Wael Jellouz (Barcelona), Aymen Toumi (Nantes – FRA) e Issam Tej (Montpellier – FRA) têm muita qualidade para colocar em quadra, e vão mostrar isso em 2015. Otimista, Top 16 para a Tunísia.


Grupo C

França – Uma máquina de espetáculos. Melhor elenco do torneio, a França vem para o título do Mundial, depois de conseguir o ouro no Europeu de 2014. Claude Onesta, há 14 anos como técnico dos azuis, tem uma história muito vitoriosa com esse time. Thierry Omeyer (PSG) foi o primeiro goleiro a ganhar o prêmio de Melhor Jogador do Ano, e é considerado o melhor na sua posição das últimas duas décadas; Jerome Fernandez foi duas vezes melhor meia esquerda da ASOBAL (ESP) e do Campeonato Francês, ganhando o prêmio de melhor jogador da Liga; Nikola Karabatic foi eleito melhor jogador do Mundo em 2014 pela Handball Planet, ganhou o prêmio oficial da IHF em 2004 e tem vários prêmios jogando tanto como meia esquerda como de central; Daniel Narcisse (PSG) foi melhor jogador do mundo em 2012, e, assim como Karabatic, joga de central e meia esquerda. Enfim, a lista de craques é parecida com a lista de convocação francesa, então com certeza é a minha aposta para esse Mundial. França Top 1.

Suécia – Tradição é sobrenome. Tem 11 medalhas e 4 títulos. Ansiedade vem em seguida. Depois de estar em todos os pódios entre 1990 e 2001, a Suécia não sobe nos degraus desde 2003, batendo na trave em 2011. O time fecha o gol com Mattias Andersson (Flensburg) e abre a porteira adversária com Kim Andersson (Kolding). O cherife Tobias Karlsson (Flensburg) é o experiente capitão do time e mostrou nessa temporada que tem gás para brigar pelo pódio. Apesar da camisa e dos craques, a Suécia não consegue definir na hora H, e isso me faz colocá-la apenas no Top 8.

Argélia – Várias aparições em Mundiais e talvez a campanha mais regular de todas: Nunca ficou abaixo da 19ª posição ou acima da 13ª em 13 campeonatos disputados. Com um time bem mediano sem sua estrela Hichem Boudrali que se aposentou, a Argélia tenta fazer milagre para chegar às oitavas. Para a operação, conta com o bom Messaoud Berkous (Pétroliers) para garantir alguns gols e buscar uma ou duas vitórias. Top 20 é o razoável para a equipe que tenta, sem forças, o Top 16.

República Tcheca – Sem participar desde 2007, a República Tcheca chega ao Mundial empolgada com a atuação nas Eliminatórias. Filip Jicha (Kiel) é o cara: levou o prêmio de melhor jogador do ano em 2010 e tem a dura missão de encarar França, Suécia e Islândia no mesmo grupo. Qualquer tropeço contra Argélia ou Egito pode significar o fracasso na fase de grupos. Sem grandes nomes além de Jicha, a República Tcheca deve avançar apenas até as oitavas, ficando com o Top 16.

Islândia – Várias participações, mas nada além das quartas de final. Sendo chamada após a desistência da seleção do Bahrein, a Islândia chega contestada para o Mundial. Com isso, tenta provar que pode ser referência no handebol com atletas do mais alto nível: Sigurdsson (Barcelona) foi eleito o melhor ponta esquerda de 2014 e Palmarsson o terceiro melhor central. Com força total, pode fazer a Suécia tropeçar e conseguir um segundo lugar no Grupo C. Aposta para Top 8.

Egito – Desde 2003 objetivando chegar às oitavas, o Egito não terá vida fácil em 2015. Com um grupo fortíssimo, terá de arrancar pontos da Argélia e da República Tcheca para acalçar o Top 16. Podem não ser a grande promessa do Mundial, mas com certeza nos dará um jogo espetacular contra o time argelino, seu principal rival. Pela concorrência, Top 20 para os egípcios.


Grupo D

Dinamarca – Referência, 10 semifinais em 21 participações, mas nenhum ouro. Porém, ele pode aparecer em 2015. A Dinamarca chega com quatro jogadores entre os melhores em suas posições. São eles: o segundo melhor ponta esquerda de 2014, Anders Eggert (Flensburg – ALE); o terceiro melhor ponta direita de 2014, Lasse Svan Hansen (Flensburg); o melhor goleiro de 2014, Niklas Landin (Kiel – ALE); e o melhor jogador do mundo em 2011, o meia esquerda Mikkel Hansen (PSG – FRA). Com essa pancada de bons jogadores, a Dinamarca chega com força total para alcançar seu primeiro título de Mundiais. Por enfrentar a França num possível duelo de semifinal, coloco os dinamarqueses no Top 4.


Polônia – Cair nesse Grupo D não era o que os poloneses mais desejavam. Com Dinamarca e Alemanha como potências, a Polônia vai ter que ralar contra a Rússia e contra a Argentina (teoricamente mais fraca). Karol Bielecki (Kielce) é a estrela de um time muito coeso e entrosado. Sem grandes craques, sempre mantem um jogo equilibrado e seguro. Porém, só com uma boa combinação de jogos vai escapar de França e Suécia nas oitavas de final. Top 16 para os poloneses.

Rússia - A herança da União Soviética é bem clara no handebol, ainda mais em seu núcleo. A Rússia só ficou de fora das quartas uma vez desde o fim da URSS. O "Antigo Gigante" tenta se atualizar e voltar a ganhar medalhas - o que não ocorre desde 1999. Dmitry Kovalev é o líder do time, e confia na canhota de Konstantin Igropulo e na direita de Timur Dibirov para desequilibrar jogos contra Alemanha e Polônia. Bastante físico e determinado, o time russo vem completo, mas sem muitas surpresas. Se conseguir a segunda posição no Grupo, pode ser Top 8. Mas como acredito que a Alemanha terá esse posto, coloco a Rússia no Top 16.

Argentina - Similar ao Brasil, o time procura chegar às quartas, mas enfrenta o problema de todo o Grupo D: os times que passarão para as oitavas do Grupo C. Sebastian Simonet é o dono de um dos jogos mais bonitos da América, mas não será suficiente para escapar de França ou Suécia caso permaneça em quarto lugar. Seria surpreendente se passasse do Top 16.

Arábia Saudita - Sétima participação, e não fará nada além de cumprir tabela. A melhor colocação da equipe foi um 19º lugar, o que não deve se repetir esse ano. Mohammed Alzaer é o artilheiro do time e tem apenas 180 gols em 130 jogos (uma boa média seria de 4 gols por jogo). Top 22 para os sauditas.

Alemanha - Tradicional e muito interessante, ganhou o Mundial de 2007 e teve o 5º lugar em 2013. A Alemanha sempre procura o pódio nas competições internacionais, mas perde sempre para o mesmo inimigo: as estrelas. Os alemães contam com o ótimo Uwe Gensheimer, mas sem ele, não têm nenhum outro jogador fora dos padrões, e isso atrapalha na hora da decisão. França, Dinamarca, Espanha e Croácia provam que o fator "craque" é essencial. Com campanha regular e um segundo lugar no Grupo, Top 8 para a Alemanha.


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Da Mesa das Crônicas, a Carta "Nada Como um Bom Começo"

Entre um dia abafado e um dia chuvoso, prefiro ficar em casa. Mas quando a fase é ruim, o dia é abafado e chuvoso. Já o ônibus não precisa de dia pra se definir: quente e cheio. Nunca falha. O que falha é a educação das pessoas dentro do ônibus. Bem, na verdade devo dizer que esta não falha: todos os dias comparece em qualquer lugar que eu não esteja. Precisão cirúrgica.

O caminho pode ser curto, mas exige um fone de ouvido. Só que na maioria das vezes ele me leva pra pensamentos distantes, mas com certeza melhores que um dia chuvoso e abafado. Se sua imaginação não é fértil, significa que tem uma vida muito fácil. O pobre sabe sonhar. Isso eu garanto.

Ah, verdade. Estava falando do meu caminho. Depois da Batalha das Termópilas urbanas (ou corredor polonês, ou qualquer eufemismo para “ônibus”) mais um pouco de caminhada. Chuva e bafo, mas pelo menos você conta com algum vento que possa existir no mundo externo e não no Corredor Polonês. Enfim o fim. O trabalho.

Claro, a única coisa de fim que tem no trabalho é o fim das suas esperanças. A pancadaria começa com você se limpando dos pingos na roupa e se deparando com o carinhoso bilhetinho do chefe. Obviamente ali tem uma lista generosa dos seus afazeres para imediatamente. Só passa a sensação de que ele não se lembra da listinha de ontem. Bom, abra seu email e comece a brincadeira.

A caixa de email é algo extremamente perigoso. Aqui uma dica: se você já recebeu a listinha do seu chefe, não entre no seu email. Inclusive já lanço a segunda dica: abra seu email.

Das 18 horas do dia anterior até 8 horas do dia atual você não deve ter recebido muita coisa. Apenas algumas respostas depois do expediente, um ou outro pedido. Tudo em ordem. Mas das 8h às 9h, outros Você estão começando a listinha que os chefes deles passaram. E nessa listinha tem email pra você, leitor. Sinto lhe informar.

Não foi fácil, eu sei. Chuva, calor, ônibus, listinha e email. Sem contar o sapato que ficou um pouco sujo por causa da chuva. E do café mal tomado. Pelo menos o tempo está passando e a hora do almoço está cada vez mais próxima. Tudo é questão de ponto de vista, tente ser positivo. Mentira. Acho isso uma bobagem. Dia ruim é dia ruim, fugir disso é ilusão. E, só pra avisar, você está atrasado.

Abrindo uma guia. E outra. E mais outra. Carreguem logo. Procurando aquela planilha companheira. Achamos. Isso, abra. Agora, cadê aquele arquivo que o chefe solicitou revisão? Eu que o fiz, deve estar certo. Ou devo ter errado. De novo. Bom, as guias abriram. Lendo email, preenchendo formulário, procurando relatório, “fala que não estou”, “não falei pra você não passar a ligação!?”, “Sim, já estou fazendo, chefe”, etc, etc e etc.

“Mas eu não terminei aquela planilha”

“Tudo bem, vou fazer”

Em algum tempo já deu 9h. Primeira vitória do dia. Agora vem aquele espaço de tempo interminável, quando você conta os segundos para o almoço. Sem mais digressões, corra.

“Terminei”. “O que ela quer?”. “Deixa eu correr que o chefe logo está aqui”. “Não vai dar tempo”. Escreva. Ligue. Corra.


“Acho que vou colocar uma musiquinha”. Péssima ideia. Chefe chegou e você estava esperando os 5 segundos para pular o anúncio do YouTube. Vá explicar isso pra ele...

terça-feira, 20 de maio de 2014

Da Mesa Social, a Carta da Origem da Corrupção


A corrupção, a hipocrisia e o povo brasileiro.

Partindo da premissa aristotélica de que o homem é, naturalmente, político, assumimos nossa engenhosidade para atender nossos interesses. Porém, por vivermos em sociedade, não podemos concretizar todo e qualquer desejo, visto que assumimos determinada igualdade de direitos desde o século XVIII. Entretanto, as ideias revolucionárias iluministas desabam frente à implacável ambição humana.

Esse contraditório perfil social reflete, principalmente, nas ações que visam e possibilitam algum benefício, como visto na política brasileira. O lucro é priorizado em lugar das políticas de bem comum (assistência social, por exemplo). O poder burocrático ampliado à custa dos direitos da população. Mas, esses casos são postos em evidência, ocultando o mal maior e matriz dessa situação: a formação do cidadão brasileiro.

O suborno, os jogos ilegais, o desrespeito às filas e diversas outras corrupções dos bons costumes são colocadas como normais pelo simples fato de serem favoráveis a muitos dos 201 milhões de brasileiros. Ou seja, quando a ação corrompe o direito do próximo, é válida. Se afetar a si, o brasileiro reclama do desrespeito. Irônico.

Antes que apareçam os advogados de Lúcifer, me antecipo: não importa se o deputado rouba milhões e você “apenas” uma posição na fila. Ambos são corruptos. Farinha do mesmo saco. Qualquer dúvida, procure um dicionário.

Se a corrupção já é um ato consuetudinário, propostas não faltaram para tentar erradicá-la. De leis draconianas ao linchamento e até ditadura militar. Isso é subestimar nossa capacidade de corromper. O suborno e o camaradismo aumentariam, o jeitinho corruptor apareceria em questão de segundos; além da revolta que causaria em grande parte dos mal educados.

Enquanto a educação e o respeito não forem os pilares da formação do cidadão, de nada adianta reclamar de Brasília. Lá estão os que saíram daqui. A política brasileira é um espelho da população, que é fiel seguidora dos bons costumes e isenta de qualquer responsabilidade, não é?

Não.

Creio que o bom voto não resolveria o quadro do país. A reforma é na base da pirâmide. Nos filhos e nos pais que virão. Enquanto o “jeitinho brasileiro” (expressão que eu fui obrigado a aceitar) for nossa marca, só uma implosão daria chance ao sucesso moral. E olhe lá.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Mesa ou tablet? A carta da militância anti-conectividade

A espetacular internet de casa não funciona, assim como a do meu celular. E olha que não moro no Triângulo das Bermudas. Com a minha “desconectividade” com o mundo, lembro-me das diversas campanhas no molde “largue seu celular”. Sempre achei uma besteira sem tamanho, mas se roda tanto por aí, merece atenção do blog.

É óbvio que hoje as pessoas olham mais para o celular do que 10 anos atrás. Todos querem teclar, compartilhar e conversar por meio do Facebook, Whatsapp e Twitter. Eu, particularmente, curto bastante essa ideia. Mas o que enche o saco é a folclorização em torno do assunto.

Não faltam vídeos, fotos e textos retratando famílias jantando e mexendo no celular ao mesmo tempo. Agora me diga: quantas famílias assim você conhece? Pois é.

Como se fosse uma guerra ideológica, a militância anti-conectividade usa exemplos isolados como regra geral, tocando os corações revolucionários da grande maioria dos nossos queridos jovens. Mas esses mesmos jovens não leram o texto militante no jornal impresso. Muito menos viram o vídeo na fogueira da roda hippie do sábado à noite.

Não pensem que sou a favor do fim da conversa pessoal. É inegável que algumas pessoas se afastam do seu entorno por conta da excessiva conectividade. Porém, esse não é o único lado da moeda.

Por meio do Twitter, por exemplo, podemos nos informar, nos interessar por assuntos variados e conhecer pessoas. Muito mais agradável do que várias conversas por aí. Equilibrar esses pratos é muito mais simples do que alegam.

Se você acredita que o mundo seria melhor sem as redes sociais, não compartilhe vídeos dizendo que “perdemos o amor de nossas vidas por causa de um celular”. Não rola.

Ah! E o celular ajuda a construir e manter muitos relacionamentos. Procure um, militante. (:

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Da Mesa Social, a Carta do Legado da Escravidão

Se Joaquim Nabuco já sabia que o maior problema a ser resolvido depois da escravidão era o seu legado, por que nós ainda não o erradicamos?


Hoje, dia 14 de Maio de 2014, completa-se 126 anos que o negro, também na lei, é igual a todos. Nesse mais de século, brancos e negros viveram lado a lado em todos os aspectos. Desde o econômico ao acadêmico, uma igualdade de fazer qualquer Robespierre invejar-se. Quase não dá pra distinguir arianos e afrodescendentes. Bom, sabemos que não é bem assim.

No dia 13 de Maio de 1888, Princesa Isabel abolia a escravidão por meio da Lei Áurea, o que garantia - em tese - a liberdade dos escravos. E como Joaquim Nabuco disse em seu livro, A Escravidão, o problema maior seria acabar com o legado da escravatura no Brasil. Bingo.

Nos anos seguintes, viu-se a profecia de Nabuco se concretizando: milhares de ex-escravos sem casa, sem comida, sem emprego e sem cidadania. Nenhum programa de realocação social foi posto em prática, e os reflexos são claros aos que querem enxergar.

Agora dizemos que Monteiro Lobato era um malvado racista, que Hitler estava errado, já que todos somos iguais, e até ironizamos o racismo tirando fotos com bananas. Enquanto isso, o negro tem maior dificuldade em arrumar emprego. Enquanto isso, o negro recebe um menor salário. Enquanto isso, o negro está marginalizado. E você tirando foto com banana.

Obviamente que os tempos são incomparáveis. Hoje a desigualdade é menor que no século anterior. Mas não se empolguem, porque ela ainda existe: e é gritante.

Por não aceitarmos os fatos que não destruímos o legado da escravidão. Fechamos os olhos e dizemos que está tudo bem, fingindo que cuspe é chuva. Venho lhe falar que não é. Gritamos uma igualdade falsa, que existe a quem não é "menos igual". Pergunte a um afrodescendente se ele já foi discriminado por sua cor de pele. Se negativo, pode dormir em paz.

Se o Estado é quem tenta integrar o negro, a culpa é nossa. Do preconceito que não matamos. Um dia, espero, seremos todos iguais de fato. É só entender que a luta não acabou, e que podemos dar o apito final. Que Nabuco se orgulhe, mesmo que tardiamente, da borracha que passaremos na maior mancha da nossa história.

domingo, 11 de maio de 2014

Da Carta do Dia das Mães, Fernando Sabino

Nesse dia especial, uma crônica sobre uma pessoa especial. Da Mesa Dia das Mães, a Carta de Fernando Sabino, "Menino".


"Menino venha pra dentro, olhe o sereno! Vá lavar essa mão. Já escovou os dentes? Tome a bênção a seu pai. Já pra cama!  

Onde é que aprendeu isso, menino? Coisa mais feia. Tome modos. Hoje você fica sem sobremesa. Onde é que você estava? Agora chega, menino, tenha santa paciência.

De quem você gosta mais, do papai ou da mamãe? Isso, assim que eu gosto: menino educado, obediente. Está vendo? É só a gente falar. Desça daí, menino! Me prega cada susto... Pare com isso! Jogue isso fora. Uma boa surra dava jeito nisso. Que é que você andou arranjando? Quem lhe ensinou esses modos? Passe pra dentro. Isso não é gente para ficar andando com você.

Avise a seu pai que o jantar está na mesa. Você prometeu, tem de cumprir. Que é que você vai ser quando crescer? Não, chega: você já repetiu duas vezes. Por que você está quieto aí? Alguma você está tramando... Não ande descalço, já disse! Vá calçar o sapato. Já tomou o remédio? Tem de comer tudo: você acaba virando um palito. Quantas vezes já lhe disse para não mexer aqui? Esse barulho, menino! Seu pai está dormindo. Pare com essa correria dentro de casa, vá brincar lá fora. Você vai acabar caindo daí. Peça licença a seu pai primeiro. Isso é maneira de responder a sua irmã? Se não fizer, fica de castigo. Segure o garfo direito. Ponha a camisa pra dentro da calça. Fica perguntando, tudo você quer saber! Isso é conversa de gente grande. Depois eu dou. Depois eu deixo. Depois eu levo. Depois eu conto.

Agora deixa seu pai descansar - ele está cansado, trabalhou o dia todo. Você precisa ser muito bonzinho com ele, meu filho. Ele gosta tanto de você. Tudo que ele faz é para o seu bem. Olhe aí, vestiu essa roupa agorinha mesmo, já está toda suja. Fez seus deveres? Você vai chegar atrasado. Chora não, filhinho, mamãe está aqui com você. Nosso Senhor não vai deixar doer mais.

Quando você for grande, você também vai poder. Já disse que não, e não, e não! Ah, é assim? Pois você vai ver só quando seu pai chegar. Não fale de boca cheia. Junte a comida no meio do prato. Por causa disso é preciso gritar? Seja homem. Você ainda é muito pequeno para saber essas coisas. Mamãe tem muito orgulho de você. Cale essa boca! Você precisa cortar esse cabelo.

Sorvete não pode, você está resfriado. Não sei como você tem coragem de fazer assim com sua mãe. Se você comer agora, depois não janta. Assim você se machuca. Deixa de fita. Um menino desse tamanho, que é que os outros hão de dizer? Você queria que fizessem o mesmo com você? Continua assim que eu lhe dou umas palmadas. Pensa que a gente tem dinheiro para jogar fora? Tome juízo, menino.

Ganhou agora mesmo e já acabou de quebrar. Que é que você vai querer no dia de seus anos? Agora não, que eu tenho o que fazer. Não fique triste não, depois mamãe dá outro. Você teve saudades de mim? Vou contar só mais uma, que está na hora de dormir. Agora dorme, filhinho. Dê um beijo aqui - Papai do Céu lhe abençoe. Este menino, meu Deus..."

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Da Carta Política, Nicolau Maquiavel

A Mesa do primeiro post é a da Política, meu tema preferido. A Carta é o coringa florentino: Niccolò dei Machiavelli.

Nicolau Maquiavel (1469) nasceu em Florença, Itália. Com sólida formação humanista, foi diplomata, filósofo, dramaturgo e poeta. Cresceu lendo Tito Lívio, Tucídides, Plutarco, Virgílio e seus contemporâneos Dante e Bocaccio. Viu os Médici dominarem Florença até 1494, ascendeu na diplomacia e fora privado de seu cargo quando o Cardeal João de Médici entrou na cidade florentina e reformou a administração. Posto como conspirador, foi preso e torturado. Reconhecida sua inocência, foi para o Albergaccio, onde escreveu seu "opúsculo". Onde escreveu O Príncipe¹.


Depois de 500 anos, ainda há divergências quanto a interpretação da obra, principalmente ao traçar seus prováveis objetivos. O fim de presentear Lourenço de Médici é dos mais aceitos, porém, de menor relevância. O que levaremos aqui em conta é a intenção de fazer um Speculum principis, prática muito comum na época que consistia em escrever um "espelho" para príncipes, verdadeiros manuais.

Muitos se preocuparam em definir como o mundo deveria ser, o que sempre passou longe da realidade. Maquiavel demonstra sua engenhosidade ao "escrever coisa útil a quem se interesse"², perseguindo "a verdade efetiva da coisa do que aquilo que se imaginou sobre ela". Assim, ao rastro do real, traçou métodos e posturas que colidiram com as tradições cristãs da época e revolucionaram a dialética política.

Citando diversas qualidades desejadas em todos os homens - principalmente nos príncipes -, Nicolau diz que "não se pode tê-las inteiramente, já que as condições humanas não o permitem". Também concluiu que entre ser temido e amado, é preferível ser os dois. Se não o pode, antes ser temido, pois o homem que ama também trai, já o que teme não o faz. 

A partir dessas constatações, estudiosos sintetizaram sua obra na frase "os fins justificam os meios", o que dá a impressão de que qualquer fim justifica qualquer meio, tese não desenvolvida pelo autor. Também surgiu o adjetivo "maquiavélico", mais pela frase geral e leviana do que pelo estudo de O Príncipe.

Usando o significado empregado em "maquiavélico", conclui-se que o maquiavelismo surgiu antes mesmo de Maquiavel, visto que o autor retrata em seu opúsculo a realidade anterior e contemporânea a ele: uma realidade, realmente, maquiavélica.

Apesar de conclusões divergentes, é inegável a importância de O Príncipe. Poucas foram as análises prévias tão meticulosas quanto a de Nicolau. Por mais que discordem de seu conteúdo, sua ideia faz-se necessária na sociedade. O ideal é longe demais para nos dar ao luxo de fingir que existe. Antes do utópico existe o real. E é neles que vivemos. Ave, Maquiavel.


¹PDF disponível e divulgado por ser domínio público
²Tradução literal retirada de MAQUIAVEL, N. Il Principe